O processo é simples: peneira a terra, acrescenta cola branca e água. A mistura preparada no pátio da escola cria a tinta ecológica que colore os muros do Centro Educacional Agrourbano Ipê, no Distrito Federal. Lá, são os alunos e os professores que colocam a mão na massa.
A iniciativa, além de dar mais vida ao local, reduz os custos com a manutenção do colégio. Ainda neste ano, o grupo quer replicar a pintura em casas da comunidade rural do Riacho Fundo II. O método também é pedagógico: enquanto produzem a tinta, os alunos aprendem sobre o pH do solo, o cálculo da área da parede e a matemática financeira do reaproveitamento.
O responsável pelo projeto é o professor de biologia Leonardo Hatano, de 43 anos. Em 2016, o educador lançou a iniciativa das "geotintas". Com a participação dos estudantes, o grupo já tem condições de levar mais cores às casas em torno do colégio.
Em parceria com a direção, o professor construiu um centro permanente para expor as tecnologias de baixo custo. A "bioconstrução" tem paredes de adobe, paineis de energia solar, fogão solar, tanque de peixes e sistema de reúso da água.
Para conferir o impacto desses projetos, o G1 foi à região do Caub I na última quinta (11) para conhecer o colégio modelo. Próximo à data em que se comemora o Dia do Professor (15), a série "Professores que transformam" conta como boas iniciativas mudam a vida dentro e fora das salas de aula no DF.
Quem é Leonardo?
Professor há 18 anos, o biólogo Leonardo Hatano transformou a vida de alunos e de toda a comunidade rural da região. Desacreditado do modelo tradicional de ensino – "focado somente na teoria em sala de aula" –, ele passou a ensinar aos alunos como aplicar os conhecimentos científicos na prática.
Em 2015, ele envolveu alunos do Centro Educacional Agrourbano Ipê, no Caub I, na construção de uma estrutura ecológica feita de terra ensacada (superadobe). Hoje, o local se tornou a principal sala de reuniões do colégio (veja foto acima).
Em 2015, ele envolveu alunos do Centro Educacional Agrourbano Ipê, no Caub I, na construção de uma estrutura ecológica feita de terra ensacada (superadobe). Hoje, o local se tornou a principal sala de reuniões do colégio (veja foto acima).
"É para mostrar que, com poucos recursos, é possível construir uma moradia."
Secadora de frutas, placa fotovoltaica e sala de adobe pintada com geotinta compõem complexo ecológico — Foto: Marília Marques/G1
A pintura das paredes também é obra dos alunos, sob a supervisão dele. Para compor as diferentes tintas, o grupo mistura terras de composições diferentes. Sem usar solventes químicos e a custo baixíssimo, as "cores do cerrado" também foram pintadas no tanque de peixes da escola.
"Queremos fazer uma intervenção na comunidade, onde a maioria é de baixa renda", diz o professor. "A escola decidiu fazer oficinas com os alunos e as famílias, para que as soluções fossem encontradas em conjunto".
"Os alunos estudam como a cor é importante para conectar e mudar o psicológico das famílias."
Novos aprendizados
Além das novas cores nas fachadas, o projeto tem ajudado no desenvolvimento educacional dos alunos. Desde que a iniciativa se tornou permanente, Leonardo Hatano diz que a assimilação do conteúdo dado em sala de aula melhorou.
"Os alunos não lembravam conteúdos do ano anterior. Com os projetos, passaram a ter argumentos científicos para explicar o que aprendiam", diz.
Da química de ensino médio, vieram as técnicas para mensurar a acidez do solo. Da biologia, os dados sobre a interferência dos solventes químicos – presentes nas tintas convencionais – sobre a biodiversidade.
Nas aulas de artes visuais, os alunos aprenderam a teoria das cores que, depois, foi empregada nas fachadas e nas estruturas ecológicas. Com a matemática, o grupo conseguiu calcular o volume do cilindro do tanque de peixes e as áreas coloridas pela geotinta.
"O aprendizado se torna significativo quando o aluno entende o porquê de estar estudando aquele conteúdo."
Interdisciplinaridade
O estudante João Pedro Monteiro, de 16 anos, participa do projeto e elogia a "união das disciplinas". Como exemplo, ele cita o conceito de "geobiologia", que também se liga à sociologia (veja vídeo abaixo).
"Aprendemos sobre a interferência da cor no ambiente e no ser humano. Como a harmonia do ambiente está integrada com o bem estar", diz.
Já o colega de turma, Gilberto Júnior, de 17 anos, disse que passou a se dedicar mais à escola desde que começou a aplicar os conhecimentos aprendidos no projeto. "A parte que mais me tocou foi da sustentabilidade, ver que todos podem ter acesso às tecnologias", explica. "Esse trabalho ajudou a nossa comunidade".
Comunidade na escola
Outra iniciativa que tem dado certo é a proposta de aproximar a ciência da comunidade. Em 2016, Leonardo propôs a criação de uma agrofloresta na chácara de uma ex-aluna do centro educacional.
A iniciativa deu tão certo que hoje – dois anos depois –, os abacateiros, bananeiras e caules de mandiocas servem de alimentação para família da arte-educadora Gizelma Fernandes. Ela cedeu parte da propriedade para o experimento dos alunos.
"Antes, o terreno era naquele modelo antigo de só plantar milho e feijão. Fora da época, ficava parado. Agora, com a agrofloresta, sempre tem alguma coisa."
Foi o professor de biologia quem levou os alunos da escola para plantar as mudas. Os estudantes aprenderam sobre o sistema de plantação sustentável, compreenderam o real significado de "plantar água" e se tornaram guias de outros agricultores que queiram aprender sobre o assunto – e replicar as tecnologias agroecológicas.
Questionado pelo G1, Leonardo lançou a dica para que outros educadores, assim como ele, façam a diferença na vida dos estudantes. Segundo ele, a ideia fundamental é "mudar a realidade dos alunos fora da escola".
"É importante que o professor saiba extrapolar a sala de aula, levar o conteúdo e mostrar a aplicabilidade dele, também, na comunidade que está ao redor."
Fonte: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2018/10/13/. acesso em 13/10/2018.